Outra Agricultura possível: o arroz orgânico do MST

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“Essa atividade é um símbolo da resistência do povo brasileiro. Vocês que vêm se dedicando, nestes 15 anos, a produzir arroz orgânico são motivo de orgulho do nosso movimento e representam a prova de que é possível outra agricultura, sem usar veneno e transgênicos”. Com essas palavras, João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), saudou a abertura oficial da 14o. Colheita do Arroz Agroecológico, sexta-feira (17), no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita. Além do valor em si de produzir alimento de qualidade, sem agrotóxicos, Stédile destacou ainda um sentido mais amplo da cerimônia de abertura da colheita do arroz orgânico: “Isso aqui representa um grande projeto popular para a agricultura brasileira, baseado na agroecologia, no cooperativismo e no controle da agroindústria pelos trabalhadores. Vocês são uma espécie de vanguarda apontando qual o caminho a ser seguido”.

A chuva que caiu na região na noite de quinta e na madrugada de sexta levou os organizadores do ato a transferir a abertura oficial da colheita para a parte da tarde. Pela manhã, o ginásio do Assentamento Capela ficou pequeno para acolher todos os convidados para a cerimônia. Segundo estimativa dos organizadores, mais de mil pessoas participaram do encontro. Além de integrantes do MST, vindos de acampamentos e assentamentos de todo o Estado, o ato também contou com a presença do presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Edegar Pretto, do escritor e teólogo Leonardo Boff, da prefeita de Nova Santa Rita, Margarete Ferretti, do ex-governador Olívio Dutra, do deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS), do presidente da Central Única dos Trabalhadores no RS, Claudir Nespolo e da Procuradora da República, Suzete Bragagnolo, do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, entre outros.

Edegar Pretto destacou que a tradicional da abertura da colheita do arroz orgânico expressa os resultados positivos da reforma agrária que dá certo. “Não é por acaso que o MST realiza essa grande celebração na abertura da colheita do arroz. A luta pela reforma agrária tem muitos percalços e esse momento é motivo de celebração para os assentados que comemoram mais uma colheita como uma prova da viabilidade do assentamento e da produção orgânica, como também para os apoiadores da luta do MST. Estamos dizendo aqui, com alegria e emoção, que a luta que nós fizemos é uma luta que vale a pena”.

“Não recuaremos na luta pela terra”

Na abertura do ato, crianças e jovens militantes do MST fizeram uma encenação teatral dos sentidos da luta pela terra e por um outro modelo de produção. A disputa entre a agricultura agroecológica e cooperativada e o agronegócio que pratica o uso intensivo de agrotóxicos e prioriza a produção para exportação foi simbolizada por um cabo de guerra. De um lado, a agricultura que é sinônimo de vida, cooperação e abundância; do outro, a agricultura que produz alimentos cheios de venenos que levam à morte. Embalada pelo refrão “não recuaremos nem um passo na luta pela terra”, a encenação celebrou todo o ciclo da geração do alimento, da semeadura até a colheita.

A solidariedade foi representada por um desfile de bandeiras de entidades e movimentos que apóiam essa luta por um outro modelo de produção: MST, Marcha Mundial de Mulheres, União Brasileira de Mulheres, CUT, União Nacional de Estudantes (UNE), Via Campesina, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), entre outros. Ao final, o hino do MST foi cantado de pé por centenas de militantes e apoiadores do movimento.

Após a mística de abertura, Emerson Giacomelli, da coordenação do grupo gestor do arroz agroecológico na Região Metropolitana de Porto Alegre, declarou aberta oficialmente a abertura da colheita do arroz agroecológico. O MST produziu uma edição especial do Jornal dos Sem Terra, que apresenta os números da safra deste ano e da evolução da cultura do arroz agroecológico que começou a ser plantado em 1999 nos assentamentos da Região Metropolitana. Para a safra 2016-2017, a estimativa é colher cerca de 549 mil sacas do grão, numa área plantada de mais de 5 mil hectares. A produção envolve o trabalho de 616 famílias, em 22 assentamentos e 16 municípios gaúchos. Em comparação com a safra do ano passado, houve um aumento de quase 40% na produção. Já a produção de sementes, envolve 25 famílias em nove assentamentos e oito municípios. A estimativa do MST para este ano é colher mais de 22 mil sacas de sementes.

No final da manhã, João Pedro Stédile e Leonardo Boff fizeram uma análise da conjuntura política e econômica vivida pelo país. Para Stédile, o Brasil vive um dos períodos mais difíceis e complexos de sua história. “A economia brasileira, da forma como foi estruturada, continua inserida na periferia do capitalismo mundial. O grande capital internacional controla a nossa economia. Mas o capitalismo está em crise. Hoje, toda a riqueza do trabalho no mundo está concentrada na mão de 50 empresas somente. Com a crise, esse capital internacional vem para o Brasil, não para investir, mas para recuperar o lucro que perderam lá fora. Essa crise desequilibrou a estrutura de classes no Brasil que, no período do governo Lula, viveu um certo equilíbrio. Esse equilíbrio não existe mais. O navio começou a afundar e a burguesia brasileira está na linha do cada um por si”.

Tentando se salvar, acrescentou o dirigente do MST, a burguesia, a partir de 2013, começou a conspirar para assumir também o controle absoluto do Executivo e do Legislativo. “Gastaram seis bilhões de reais, em 2014, para eleger esse Congresso que é o pior da história. Perderam a eleição para presidente e passaram a conspirar permanentemente contra a Dilma. Foram beneficiadas pelas escolhas erradas que o governo Dilma fez na política econômica e que lhe custaram o apoio popular. Quando a burguesia via, pelas suas pesquisas, que o povo não ia defender o governo Dilma, deram o golpe. Em 2016, ficamos só nós, a militância, defendendo Dilma nas ruas contra o golpe. Não foi o suficiente”.

Stédile vê um cenário diferente se desenhando em 2017. Segundo ele, os autores do golpe não entenderam que o capitalismo mundial está em crise e não virá para o Brasil investir, como fizeram após o golpe de 1964, gerando um período de crescimento econômico. Além disso, acrescentou, o governo Temer não tem um centro de direção único, como ocorreu em 1964 e no governo FHC. “Figuras como Temer, Padilha e Jucá são lumpens da política. A burguesia também não gosta deles. O governo golpista não está conseguindo ser popular. Pelo contrario, está tirando direitos do povo e não tem nenhuma sustentação popular. Em 2017, novos ventos estão soprando”, afirmou, apontando três sinais disso:

“O primeiro sinal ocorreu no Carnaval quando, por todo o país, de forma espontânea, o Fora Temer foi adotado pelos blocos populares. O segundo foi no 8 de março que teve uma participação inédita de mulheres nas manifestações de rua. E o terceiro foi agora, no dia 15 de março, na jornada de mobilização contra Reforma da Previdência. Em São Paulo, 200 mil foram às ruas”. Diante deste cenário, Stédile defendeu que Lula lance imediatamente sua candidatura à presidência da República e comece a percorrer o país, denunciando as políticas do governo Temer e propondo um projeto emergencial para o Brasil. “A candidatura de Lula é fundamental na atual correlação de forças. Se o povo engatar nessas mobilizações de rua, as eleições podem ocorrer ainda este ano. Caso contrario, já estaremos com o cavalo encilhado para 2018, com uma vantagem. Sem o PMDB, que conspirou pelo golpe, um novo governo Lula deverá estar baseado, necessariamente, em um projeto popular”.

Leonardo Boff também chamou a atenção para a importância de entender a natureza da crise do capitalismo internacional, inclusive para identificar as raízes do golpe no Brasil. “A política externa dos Estados Unidos está baseada em três princípios: cobrir todos os espaços, construir no mundo um só império e desestabilizar todos os governos que se oponham a esse projeto. Um dos espaços que estava muito livre e solto era o Brasil. Fizeram ensaios de um novo tipo de golpe em Honduras e no Paraguai. Na Argentina, conseguiram resolver com uma eleição. No Brasil, foram para o golpe mesmo”.

Boff mencionou o episódio da viagem do senador tucano Aloysio Nunes para os Estados Unidos no dia em que o golpe foi consumado. “Aloysio Nunes teve uma glória na vida que foi ser motorista de Marighella, Depois traiu todo mundo e agora está traindo o país. O Brasil é uma das grandes potencias ecológicas do planeta, com recursos naturais fabulosos. Estão tentando se apropriar disso. Hoje, há dois projetos em disputa no nosso país: o entreguista e o popular. Temos que derrotar esse projeto entreguista nas ruas e, quando for possível também nas urnas”, concluiu Boff que também defendeu o lançamento imediato da candidatura de Lula para as eleições de 2018.

Após o debate político, foi serviço um almoço para as mais de mil pessoas que participaram do ato. No cardápio, carreteiro, feijão, salada de tomate, repolho e cebola. Depois do almoço, ocorreu a abertura oficial da colheita na lavoura do arroz, com a presença de representantes da Emater, do Incra e de outras entidades. Os assentamentos dominam hoje todo o processo de cultivo do arroz, desde a produção agrícola, passando pela produção industrial e chegando à comercialização. O MST é considerado hoje o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.

Assentamentos do MST produzem alimentos livres de veneno com base agroecológica

Agricultora participa de Feira Orgânica na cidade de Belém, no Pará - Créditos: Carol Lopes

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Na ilha de Mosqueiro, distrito que fica a 72 km da capital Belém, a inciativa familiar e consolidada chamada Lote Agroecológico de Produção Orgânica (Lapo) do assentamento Mártires de Abril, é exemplo de que produzir o próprio alimento livre de veneno e ainda estabelecer uma relação de cumplicidade com a natureza pode ser um ato revolucionário em tempos de avanço da monocultura e uso excessivo de agrotóxicos.

A experiência foi criada pelo casal Mamede Oliveira e Teófila Nunes. Teo, como gosta de ser chamada, atualmente é viúva e tem 64 anos, além de pedagoga por formação é agricultora e militante no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST-PA) e atua na área de produção do movimento.

O lote é um mini sistema de produção agroecológica com pequeno plantio de macaxeira, pimenta do reino, feijão e outros produtos. No terreno há culturas diversificadas de espécies de árvores frutíferas como o cupuaçu, que Teo transforma em polpa. Mas é o açaí e a criação de galinha caipira que ganham destaque. Tudo isso produzido sem uso de veneno ou adubo químico. Para além de ser apenas um lote de produção de alimento o Lapo é um projeto de vida, como ela enfatiza.

“Temos a agricultura agroecológica como uma arma, não é só como alternativa de alimentação, vai além da segurança alimentar com soberania, produz autonomia. É a nossa arma contra o agronegócio, nossa forma de produzir diante do monocultivo que está aí com o capital crescendo cada dia no campo”.

Outro ponto de destaque dessa experiência é a transformação de produtos in natura. Teo conta que extrai da árvore de andiroba o óleo para fazer um gel de massagem, rico em propriedades medicinais e utilizado há muitos anos por comunidades tradicionais na Amazônia. Ela ainda possui três tanques para criação de peixes da espécie tambaqui e produz a própria adubação para o plantio.

A diversidade de uma agricultura agroecológica desenvolvida por essa iniciativa transformou esse ambiente em referência para pesquisas acadêmicas e um espaço político pedagógico com intercâmbio entre estudantes da educação básica, movimentos de mulheres e outros grupos como o Grupo para Consumo Agroecológico (Gruca). A ideia é valorizar a produção de alimentos livres de venenos e ajudar na venda desses produtos formando uma rede de consumidores conscientes.

Consumo consciente

O Gruca vende alimentos oriundos dos assentamentos da reforma agrária e de pequenos produtores em agricultura orgânica da região metropolitana de Belém. Os alimentos são colocados em paneiros, cestas feitas de palha, denominados como paneiros cabanos, nome em alusão a revolta popular da Cabanagem ocorrida na época do Império na então província do Grão-Pará.

Noel Gonzaça, 39 anos é agricultor e idealizador do Gruca. O paraense morou no Rio de Janeiro durante 11 anos e lá fazia parte de um grupo de consumo consciente e compra coletiva. Quando voltou para Belém trouxe na bagagem o desejo de realizar a ideia. Após uma especialização no Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA) encontrou a oportunidade que queria e assim criou o grupo.

Noel lembra que o Gruca recebe alimentos de produtores como Teo, como polpa de fruta, ovos de galinha caipira, mel e macaxeira. Os produtos também chegam do acampamento Jesus de Nazaré, localizado em Santa Izabel. Os paneiros cabanos são vendidos quinzenalmente e divulgados em uma página na rede social, mas Noel lamenta que não possa adquirir mais produtos.

“Se a ideia se espalhasse e surgisse outro grupo, poderia pegar mais alimentos, porque o acampamento Jesus de Nazaré produz bastante, mesmo com as dificuldades que enfrenta como a ausência de energia elétrica. Não tem como pegar uma produção grande, pois o que define a quantidade de paneiros é a demanda”, conclui.

Procura por orgânicos

De acordo com o dossiê Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde produzido pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) os agrotóxicos podem causar diversos problemas a saúde como câncer, má formação congênita, alergias respiratórias, diabetes, distúrbios de tireoide, depressão, aborto e até Mal de Parkinson.

Mesmo que tenhamos consciência em adquirir alimentos mais saudáveis e livres de agrotóxicos não sabemos se estabelecimentos como restaurantes e lanchonetes têm a mesma preocupação, então vale a pena procurar locais que possuem como principio o consumo consciente e a preocupação de que alimento saudável é limpo de veneno.

O Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá, como explica a fundadora Tainá Marajoara, 33 anos, não é ‘só um restaurante, é mais do que isso, é um espaço onde se dialoga sobre o alimento de quem produziu e de onde veio. Tainá explica que o espaço serve alimentos livres de venenos e são procedentes de pequenas propriedades, de povos indígenas, de comunidades tradicionais e assentamentos da reforma agrária ligados ao MST.

Ela combate o mito que é propagado de que existe pouca quantidade de alimentos livres de agrotóxicos para atender uma grande demanda. Tainá informa que daqui a 15 dias o ponto de cultura Iacitatá irá participar de um evento onde irá produzir quatro mil refeições servindo comida de base comunitária e sem veneno.

“Essa questão de que não há alimentos sem veneno em grande quantidade isso é uma grande mentira porque a partir do momento que tu trabalhas com a sazonalidade dos alimentos, o agricultor vai ter a quantidade para te fornecer, então tem muita comida limpa, tem muito agricultor especializado em produção de uma escala maior de alimentos sem veneno e isso precisa ser valorizado e publicizado, que é possível fazer e que não é caro comer orgânico e alimentos agroecológicos, basta ter uma relação mais próxima com quem produz”, afirma.

Os alimentos produzidos nos assentamentos da reforma agrária podem ser encontrados na loja o Armazém do Campo, localizado na Alameda Eduardo Prado, região central de São Paulo, 499.

Cansados de esperar por PF e Funai, índios Uru-Eu-Wau-Wau decidem investigar grilagem de terra

Cartaz de protesto dos Uru-Eu contra invasão Foto: Kanindé)

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Os índios Uru-Eu-Wau-Wau decidiram investigar a grilagem de terra no território indígena sozinhos, depois de esperar por quatro meses por uma ação da Polícia Federal, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal (MPF) para expulsar os cerca de 5.000 invasores da reserva indígena, que fica no sul de Rondônia. Na terça-feira (14), um grupo de sete guerreiros partiu da aldeia Alto Jamari com destino ao loteamento clandestino aberto na localidade Linha 5, no município de Monte Negro (distante 250 km de Porto Velho).

Desse grupo, um indígena idoso retornou à aldeia ainda no dia 14. Os guerreiros teriam capturado um homem não-indígena, disse a indígena Mainá Uru-Eu-Wau-Wau. Segundo ela, nesta quarta-feira (15) um grupo de mulheres resolveu ir atrás dos guerreiros. Elas estavam preocupadas com a demora deles em retornar e do risco de conflito. “Os dois grupos [homens e mulheres] não retornaram até o momento”, disse Mainá, na noite desta quarta-feira.

Procurada, a Fundação Nacional do Índio, em Brasília, disse que está monitorando a situação na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e que uma equipe da Coordenação Regional de Ji-Paraná foi enviada à reserva.

A aldeia Alto Jamari fica a 35 quilômetros de caminhada dentro da floresta até o loteamento clandestino, onde vivem cerca de 5.000 invasores na parte oeste da terra indígena. A reportagem apurou que os guerreiros levaram flechas, máquinas fotográficas e celulares para investigar a grilagem.

Mainá Uru-Eu-Wau-Wau disse à reportagem que os guerreiros que estão investigando a invasão são o cacique Tarobá e os índios  Puruem, Monguitá, Erovak, Uka, Boakara e Awapu. O indígena Warino Uru-Eu-Wau-Wau passou mal durante a caminhada e voltou à aldeia do Alto Jamari.

A Amazônia Real apurou na noite desta quarta-feira (15) que o grupo de Uru-Eu havia encontrado alguns dos invasores durante a vigilância e aguardava a presença da Funai e da Polícia Federal para tomar as providências.

No final da tarde desta sexta-feira (16), a reportagem apurou que o grupo retornou à Aldeia Alto Jamari. A informação foi confirmada por Mainá Uru-Eu-Wau-Wau, que se comunicou com os indígenas do Alto Jamari via radiofonia. Mainá mora na aldeia Jamari. A distância entre as duas aldeias é de 60KM.

Ela afirmou que o temor agora que é que haja revide contra a população dos Uru-Eu-Wau-Wau da aldeia Alto Jamari por causa da ação do grupo de indígenas. A reportagem não conseguiu falar com a Polícia Federal e com a Funai nesta sexta-feira.

Como publicou a Amazônia Real, a invasão à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau se intensificou nos últimos quatro meses, período em que aumentaram os desmatamentos, as atividades de garimpo e de pesca predatória dentro do território dos índios, que se autodenominam Jupaú, os que usam jenipapo.

Os grileiros (pessoas que tomam posse de terras ilegalmente) abriram lotes de 100 hectares dentro da reserva indígena e passaram a comercializá-los por até R$ 20 mil com os invasores. Garimpeiros e pescadores também invadiram a reserva.

O cacique Djurip Uru-eu-wau-wau, presidente da Associação Jupaú, disse que o caso foi denunciado em janeiro à Superintendência da Polícia Federal, mas o órgão não agiu ainda no sentido de expulsar os invasores da reserva.

Segundo Mainá, as lideranças pediram ajuda também à Frente de Proteção Etnoambiental Uru-Eu-Wau-Wau, que atua na vigilância e fiscalização do território, mas o coordenador Rieli Franciscato não atendeu ao pedido dos índios. A reportagem não localizou o coordenador para falar sobre a invasão no território Uru Eu.

Israel Vale, conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que atua em defesa dos povos indígenas de Rondônia, disse à Amazônia Real que os índios Uru-Eu-Wau-Wau estão cansados de esperar por uma operação para retirada de invasores de suas terras, apesar das inúmeras denúncias feitas desde o início de 2016.

“Isso demonstra o descaso do governo. Há muito tempo essas invasões vêm ocorrendo. Então, eles resolveram por conta própria ver o que está acontecendo. Eles não foram fiscalizar, mas fazer uma vigilância. A área está desprotegida. Antes tinha uma base da Funai que hoje está sem funcionar. Os invasores ocuparam até esse prédio, tomaram de conta. Virou a base dos invasores”, disse Vale.

Segundo o conselheiro da Kanindé, a área mais desprotegida do território é a parte norte, onde há seis aldeias. Duas delas – Alto Jamari e Jamari – são as mais vulneráveis. “Como ficou desprotegida, não tem base da Funai e nem fiscalização, ficou mais fácil de ser invadida”, afirmou.

Homologada em 1991 pelo ex-presidente Fernando Collor, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem 1.867.117 hectares. A terra é sobreposta ao Parque Nacional de Pacaás Novos, a maior unidade de conversação do estado. Esta região é uma das mais impactadas pelo agronegócio e a exploração ilegal de madeira.

Levantamento realizado em 2014 pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) identificou 209 índios Uru-Eu-Wau-Wau vivendo no território tradicional, que abriga também os povos Amondawa e os Oro Win. Ainda há referências sobre a presença de índios não-contactados. Os Japaú falam a língua Tupi-Kawahib.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), três grupos isolados já foram identificados no território Uru-Eu, entre eles os Yvyraparakwara e os Jururcy.

 

Funai diz que monitora situação

Procurada, a Funai disse estar “informada sobre a possibilidade de uma recente invasão na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau”. Segundo o órgão, a invasão do território tradicional se localiza em sua parte no município de Governador Jorge Teixeira, e que uma equipe da Coordenação Regional de Ji-Paraná está em campo para apurar a situação.

“A Funai aguarda informações qualificadas sobre a denúncia para adotar as medidas necessárias”, diz trecho da nota enviada para a reportagem.

À Amazônia Real, o coordenador regional da Funai em Ji-Paraná, William Nunes da Silva, disse que a TI Uru-Eu-Wau-Wau está sob jurisdição da coordenação. Ele confirmou que um servidor foi enviado para a aldeia Alto Jamari para averiguar o que de fato estava acontecendo. A partir das informações levantadas por ele, diz William Nunes, as equipes da Funai e da Polícia Federal iriam adotar as medidas necessárias.

William Nunes confirmou que foi procurado pelos índios Uru-Eu-Wau-Wau um dia antes – isto é, em 13 de fevereiro – de eles decidirem investigar a grilagem e irem até o loteamento.  O coordenador disse que pediu aos indígenas “um pouco mais de paciência já que a Funai atuaria para expulsar os invasores”. Os índios, contudo, não foram convencidos.

“A gente sempre conversa com eles que não é apropriado que eles entrem em conflito com qualquer tipo de invasor, seja ele madeireiro, seja para acampar”, afirma o coordenador regional.

William Nunes diz que a coordenação envia desde 2014 relatórios à Polícia Federal em Porto Velho informando o problema dentro da TI Uru-Eu. De acordo com ele, as investigações e as ações de expulsão dos invasores são de responsabilidade da PF ante a limitação legal do órgão indigenista.

A Superintendência da PF em Rondônia foi procurada, mas as ligações não foram atendidas, nem os e-mails respondidos.

Já o MPF disse ter tido conhecimento sobre a tentativa dos Uru-Eu-Wau-Wau de defender o território. A assessoria de imprensa informou que uma reunião foi realizada entre MPF e PF para tratar da questão. Disse, ainda, que uma investigação criminal sobre a invasão ao território Uru-Eu-Wau-Wau está em andamento pela Polícia Federal, e que por conta do sigilo mais informações não poderiam ser repassadas à reportagem da Amazônia Real.

 

Região invadida teve ação do Incra

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau está localizada numa das regiões de maior influência do agronegócio do sul de Rondônia. Pecuaristas, agricultores, garimpeiros, madeireiros são responsáveis pelo desmatamento dentro da reserva. Segundo documento do Instituto Socioambiental (ISA), a terra dos índios Uru-Eu-Wau-Wau é alvo de invasões desde os anos de 1970. Até do o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cometeu irregularidades.

Na década de  1970, na região do Rio Floresta, houve um grande conflito entre indígenas e não-indígenas depois que o Incra expediu 122 títulos definitivos a agricultores no interior da TI Uru-Eu-Wau-Wau. Conforme o documento do ISA, a Funai notificou o instituto e interditou a área, mas até hoje o problema não foi resolvido.

Na década de 1980, o Incra concedeu mais 113 títulos indevidamente na parte sul do Projeto Burareiro, localizado dentro da TI Uru-Eu-Wau-Wau, diz o documento do ISA. Apenas em 1985, o Incra reconheceu que o assentamento era inviável devido à falta de estradas de acesso. Mas não reassentou os titulados em outra região.

A demarcação da reserva foi homologada em 1991. Segundo o ISA, a Funai ingressou com uma ação judicial contra o Incra para anulação dos títulos na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau em 1994.  O parecer da Justiça, em 1996, foi desfavorável aos índios, pois interpretou que a ação movida pela Funai não deveria ser contra o Incra, mas sim contra cada um dos 122 proprietários de títulos definitivos. “Como a maioria destes títulos já foi vendida a terceiros, isto acarretaria um grande número de ações judiciais a ser movido contra os detentores dos títulos, o que é inviável a curto ou médio prazo”, diz o ISA.

Em 2001, a Funai, Polícia Federal e Ministério Público, com apoio da associação indígena Jupaú e a associação Kanindé, realizaram uma operação de expulsão de dezenas de invasores. Muitos foram presos e levados à penitenciária central em Porto Velho.

Mas sem definição judicial para o litígio entre o Incra e a Funai, a ação relativa ao Burareiro está sendo usada de forma distorcida, segundo o ISA, por empresários e políticos de má fé dos municípios de Ariquemes e Monte Negro para incentivar a invasão.

É justamente na região da TI Uru-Eu-Wau-Wau, que fica em Monte Negro, que os guerreiros partiram para investigar a grilagem e o loteamento clandestino, onde vivem 2.000 invasores do território, e ainda não retornaram à aldeia Alto Jamari. (Colaborou Kátia Brasil)

Presidente da Nestlé diz que água não é um direito humano e deve ser privatizada

Presidente da Nestlé diz que água não é um direito humano e deve ser privatizada

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atual presidente e ex-CEO da Nestlé, o maior produtor de alimentos do mundo, acredita que a resposta para as questões globais da água é a privatização. Esta afirmação está no registro da maravilhosa empresa que vende junk food na Amazônia, tem investido dinheiro para impedir a rotulagem de produtos cheios de organismos geneticamente modificados,tem um preocupante registro médico e ético devido à sua fórmula dirigida a crianças e tem implementado um exército cibernético para monitorar crítica na internet e moldar discussões nas mídias sociais.

Esta é, aparentemente, a empresa a qual devemos confiar a gestão da nossa água, apesar de grandes empresas de bebidas como a Nestlé terem um histórico na criação de escassez:Peter Brabeck-Letmathe, um empresário austríaco que é presidente do grupo Nestlé desde 2005, afirma que é necessário privatizar o fornecimento da água. Isso para que nós, como sociedade, tomemos consciência de sua importância e acabássemos com o subpreço que se produz na atualidade.

Palavras sujas que provocaram estupor, sobretudo quando se tem em conta que a Nestlé é a líder mundial na venda de água engarrafada. Um setor que representa 8% de seu capital, que em 2011 totalizaram aproximadamente 68,5 bilhões de euros.

Pero Brabeker junta essa a outras críticas para destacar que o fato de muitas pessoas terem a percepção de que a água é gratuita faz com que em várias ocasiões não lhes deem valor e a desperdicem. Assim sustenta que os governos devem garantir que cada pessoa disponha de 5 litros de água diária para beber e outros 25 litros para sua higiene pessoal, mas que o resto do consumo teria que gerido segundo critérios empresariais.

Apesar das rejeições que sua posição provoca, faz tempo que ele defende, sem cerimônia, com entrevistas como esta que aparece no vídeo abaixo, que qualifica de extremistas as ONGs que sustentam que a água deveria ser um direito fundamental.

França aprova lei que obriga mercados a doar alimentos que não foram vendidos

França aprova lei que obriga mercados a doar alimentos

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Estima-se que 1,3 bilhão de toneladas de comida são jogadas no lixo por ano no mundo todo. Sim, você leu certo. É chocante mesmo! Só na França, são 7,1 milhões de toneladas de alimentos que têm como destino a lixeira. O desperdício é feito majoritariamente por consumidores, mas supermercados e restaurantes também têm uma grande parcela de culpa nesta estatística lamentável.

Pois o governo francês decidiu dar um basta neste desperdício inaceitável. Na semana passada, os membros do parlamento francês aprovaram por unanimidade uma nova lei que obriga supermercados a doarem alimentos que já tiveram sua data de venda vencida. Isso não signifca que o prazo de validade do produto esteja expirado, mas somente a data de venda na prateleira.

Um dos principais responsáveis pelo sucesso da votação foi Arash Derambarsh, parlamentar que fez campanha pela aprovação da lei. “É uma vitória histórica. É muito raro que uma lei passe assim tão rápido e com apoio unânime”, disse ele ao The Guardian.

Derambarsh já tinha conseguido a assinatura de 200 mil pessoas na França e 740 mil na Europa no começo do ano para apoiar seu projeto. Em maio de 2015, parlamentares votaram sobre o assunto, como parte de outra lei, mas depois de aprovada na época, ela foi derrubada por instâncias superiores por conter falhas que inviabilizariam seu cumprimento.

Agora a nova lei só precisará receber um selo de aprovação do Senado e a partir de 13/01, daqui um mês, entrará em vigor.

Com a nova regulamentação, supermercados que tenham mais de 4 mil m2 terão que assinar contratos com instituições de caridade ou banco de alimentos para doar produtos que não foram vendidos. Quem desrespeitar a legislação, poderá pagar multas de até €75 mil ou ser detido por até dois anos.

“Hoje, quando um supermercado como Carrefour encontra um pequeno problema na embalagem de um iogurte, ele devolve o pack todo para o fabricante, que é obrigado legalmente a destruir todos os produtos. Isto acontece frequentemente e estamos falando de volumes enormes de alimentos. Com a nova lei, empresas poderão doar estes iogurtes para caridade”, afirmou Guillaume Garot, outro parlamentar francês, ao jornal The Telegraph.

A lei estabelece ainda que qualquer cidadão possa fundar uma associação, com aprovação do Ministério da Agricultura, para coletar e distribuir alimentos. Em Paris, a novidade desencadeou uma onda de novos movimentos para acabar com o desperdício de alimentos. Cerca de 100 restaurantes lançaram a campanha La Box Anti-Gaspi, que estimula os franceses a levar para casa as sobras de suas refeições.

Em toda Europa, 89 milhões de toneladas de alimentos vão parar no lixo. A intenção de Derambarsh é persuadir outros países a adotar a mesma medida e que uma legislação similar seja aprovada pelo Parlamento Europeu.

Vocês têm fome de quê?

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Elaborado por pesquisadores do Brasil, Chile, México e da Alemanha, o Atlas da carne – fatos e números sobre os animais que comemos propõe dezenas de perguntas inquietantes. Você sabia que a produção de carne agrava as desigualdades globais? E que está relacionada ao desmatamento da Amazônia? A publicação mapeia a produção industrial de carne no mundo e como ela atinge recursos hídricos e solos, influencia as mudanças climáticas e as relações sociais. O lançamento acontece na quinta-feira, dia 29 de setembro, no Espacio 945, localizado na Rua Conselheiro Ramalho, 945 – Bixiga – São Paulo (SP).

O Atlas também registra como a criação animal em escala industrial traz consequências como a fome, já que a produção intensiva fica sempre em primeiro plano, em detrimento das necessidades nutricionais de cada país. O cercamento de terras para esse objetivo também causa o deslocamento de pequenos produtores, intensificando problemas sociais. A perda de biodiversidade também é outra grave consequência desse avanço sobre as terras. O Atlas, portanto, indica esses e outros impactos do consumo de carne, seja ela bovina, suína, de aves e de outros tipos como búfalos e ovelhas.

A publicação busca disseminar o máximo de informação quanto aos efeitos da produção de carne e às alternativas a esse modelo predador. Segundo o Atlas, se o consumo de carne continuar crescendo, em 2050 os agricultores e agricultoras terão que produzir 150 milhões de toneladas extra de carne, agravando os problemas. O Atlas da Carne estimula, assim, reflexões sobre como implementar uma pecuária “ecológica, social e ética” como contraponto ao agronegócio nos Estados Unidos, na União Europeia e na América Latina. A publicação traz alternativas ao atual modelo, como a de produzir e consumir a carne localmente, evitando o transporte por milhares de quilômetros. Quer, assim, mostrar ao consumidor de carne toda a cadeia de produção.

No Brasil, onde a crise hídrica já bateu à porta, para cada quilo de carne gastam-se 15 mil litros de água. E a criação intensiva, visando à exportação, leva ao uso de fármacos para erradicar doenças e acelerar a engorda. A contaminação do solo e da água, entre outras, são as consequências. A despeito disso, a demanda global por carne aumenta, mais rapidamente nos países emergentes e de forma cadenciada nos Estados Unidos e na Europa.

O Atlas está em sua terceira edição na Alemanha e já foi publicado em espanhol, inglês e francês. O Brasil ilustra bem a cadeia de produção, pois é um dos maiores produtores de soja do mundo, grão utilizado sobretudo como ração animal. Ao consumir a carne, o cidadão ingere também agrotóxico, usado no cultivo desse defensivo agrícola. A sanha por terra de produtores de soja e outros levam, muitas vezes, à grilagem, à expulsão de pequenos agricultores e a assassinatos de líderes camponeses e indígenas no Brasil. A produção da soja também se desdobra em desmatamento na Amazônia, visto, em maior escala, no Cerrado e no Pantanal, que sofrem também com o avanço das áreas de pastagens, pondo em risco importantes biomas. A pecuária intensiva gera quase um terço dos gases de efeito estufa em nível global.

Lançamento: O lançamento reunirá André Campos, jornalista da ONG Repórter Brasil; Letícia Tura, diretora da Ong FASE; Maureen Santos, coordenadora do programa de Justiça Socioambiental da Fundação e organizadora da versão brasileira do Atlas; e o jornalista e blogueiro Leonardo Sakamoto que fará a moderação. Na ocasião também será lançado o livro Cadeia industrial da Carne – Compartilhando ideias e estratégias sobre o enfrentamento do complexo industrial do complexo industrial global da carne da FASE, resultado da troca de ideias de um encontro sobre a temática.

O extrativismo como projeto de sociedade

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À medida em que o extrativismo e os processos políticos assentados neste modelo começam a mostrar rachaduras, pela abrupta queda dos preços das commodities, estamos em melhores condições para compreender suas características profundas e as limitações das análises anteriores. Uma delas, e devemos assumir a autocrítica em primeira pessoa, consiste em ter mirado primordialmente o aspecto ambiental, e depredador da natureza, deste modelo de conversão de bens comuns em mercadorias.

Agora podemos dar um passo a mais, algo que já fizeram os zapatistas há mais de uma década, quando definiram este modelo como quarta guerra mundial. O outro erro de vulto foi considerar o extrativismo como modelo econômico, seguindo o conceito de acumulação por desapropriação de David Harvey. Em suma, ao erro de ter centrado as críticas – de modo quase exclusivo – na questão ambiental, somou-se o do economicismo, de que adoecemos muitos dos formadosno marxismo.

O capitalismo não é uma economia, mas um tipo de sociedade (ou formação social), apesar de existir, evidentemente, uma economia capitalista. Com o extrativismo sucede algo similar. Se a economia capitalista é acumulação por extração de mais-valia (reprodução ampliada do capital), a sociedade capitalista produziu a separação da esfera econômica da política. A economia extrativista — de conquista, roubo e pilhagem — é apenas um aspecto de uma sociedade extrativista, ou uma formação social extrativista, que é a característica do capitalismo na fase em que o capital financeiro é dominante.

Para além dos termos, interessa sublinhar que vivemos numa sociedade cuja cultura dominante é de apropriação e roubo. Por que enfatizar a existência, hoje, de uma cultura extrativista — diferente da que foi hegemônica em outros períodos do capitalismo? Porque nos ajuda a compreender em que tipo de mundo vivemos e as características do modelo contra o qual nos rebelamos.

Para compreender melhor em que consiste essa cultura, seria necessário compará-la com a cultura hegemônica nos períodos anteriores. Por exemplo, durante o predomínio da indústria e do Estado desenvolvimentista. Naquela época, os trabalhadores manuais da indústria sentiam orgulho de seu oficio por serem produtores de riqueza social (embora uma parte substancial fosse apropriada pelo patrão). Este orgulho tomava forma de consciência de classe quando se identificavam os interesses próprios por meio da resistência aos exploradores. Não era o orgulho tolo de quem acredita ser superior, mas o produto do lugar que os operários ocupavam na sociedade; lugar que não haviam herdado, mas construído por meio de uma luta longa e paciente.

Entre meados do século 19 e as primeiras décadas do 20, os operários – e às vezes as operárias – formavam a si mesmos à luz de velas, logo após rígidas jornadas de 12 de trabalho, criando espaços próprios de encontro e ócio (escolas, teatros, bibliotecas, cooperativas, sindicatos). Instituíram formas de vida com base na ajuda mútua, criaram maravilhas como a Comuna de Paris e a Revolução de Outubro, além de uma larga série de insurreições urbanas. Tinham motivos para ter a autoestima elevada.

Na vida cotidiana, a cultura operária girava em torno do trabalho, da austeridade por convicção, da poupança como norma da vida e da solidariedade como religião. O macacão de trabalho e o capacete eram sinais de identidade que circulavam em seus bairros, uma vez que não queriam vestir-se como os patrões. Tudo em suas vidas, desde a moradia até os hábitos, diferenciava-os dos exploradores. Essa cultura tinha traços opressores, como bem sabem as mulheres e os filhos dos operários industriais. Mas, era uma cultura própria, baseada no autocultivo de si mesmos, não na imitação de cima.

Esta longa explanação busca chegar a um ponto central: a cultura operária podia conectar com a emancipação. A cultura extrativista vai a contrapelo. Embora portasse elementos opressivos, aquela cultura continha aspectos valiosos, potencialmente anticapitalistas.

A cultura extrativista é o resultado da mutação gerada pelo neoliberalismo, montado no capital financeiro. O trabalho não tem o menor valor positivo; este lugar é ocupado agora pela pilhagem e suas faces auxiliares, o consumismo e a ostentação. Onde antes havia o orgulho por fazer, a cultura gira agora em torno da ostentação de marcas e modas. Enquanto os operários condenavam o roubo, por razões estritamente éticas, hoje festeja-se a rapina, mesmo que as vítimas sejam vizinhos, amigos e até a família.

Nem toda a sociedade nutre esta forma de viver, é claro. Mas são maneiras de viver que ganharam terreno em sociedades onde os jovens não têm emprego digno nem lugar, nem a possibilidade de construir um ofício trabalhando, nem de conseguir um mínimo ascenso social após anos de esforço. Não há nem memória daquele passado, o que é mais pernicioso, por violar a dignidade.

O extrativismo evaporou os sujeitos, porque na chamada “produção” eles já não estão presente. Inclusive na esfera da reprodução da vida, o sistema esforça-se por mercantilizar tudo — do nascimento à alimentação, arremetendo contra o papel central das mulheres nesses espaços. Aí está a importância das micro-resistências: os bairros, os territórios populares, as praças, as feiras de troca, as festas de rua, os  espaços coletivos de qualquer tipo tipo. Elas alimentam as grandes rebeliões.

Se é certo que a cultura hegemônica do extrativismo obstrui os processos emancipatórios, a organização e as resistências, estamos diante da necessidade imperiosa de trabalhar o contrapeso dessa cultura. O cimento do novo mundo está aí, na vida cotidiana. Por isso, o empenho nos trabalhos coletivos, em todas as resistênciais. Esses trabalhos moldam uma cultura nova, que resgata o melhor de la cultura operária e tenta aplacar as opressões.

Agora nas cidades, a agroecologia dos sem-terra

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A pergunta “O que você alimenta quando se alimenta?” já é clássica entre as pessoas que se preocupam com alimentação e meio ambiente. Alimentamos a cadeia do agronegócio, da monocultura, dos agrotóxicos? Grandes redes de supermercado? Ou a cadeita da agroecologia, comprando diretamente do produtor nas feiras orgânicas? Pois agora a população paulistana vai poder alimentar, além de produção agrícola e meio ambiente saudáveis, uma política social justa e progressista para o país. Uma política e uma estética.

O Armazém do Campo – Produtos da Terra, inaugurado neste sábado a partir das 10h na região central de São Paulo, é um entreposto de alimentos agroecológicos produzidos por assentados do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e por agricultores familiares de todo o país. Com grande diversidade de produtos in natura e processados, vinhos e cachaças orgânicos e produtos culturais como livros e agendas, o espaço irá abranger todo o território nacional, centralizando a distribuição de produção agroecológica de todo país em São Paulo.

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Um projeto generoso e sofisticado, a começar pela decoração. A loja foi montada num galpão de pé direito alto, com banners de chita estampada bordados com palavras de ordem e fitas coloridas pendendo do teto e móveis rústicos de madeira – aquela beleza da cultura popular, feminina, que só a mais elaborada simplicidade permite. Dominando a cena, uma pintura em tecido da grande inspiradora da agroecologia, Ana Primavesi.

Resistência, transformação social, educação libertadora, reforma agrária são algumas das bandeiras do Armazém – fruto de um esforço coletivo do movimento dos sem terra e outros camponeses organizados em cooperativas e associações para levar alimento nutritivo à mesa dos trabalhadores paulistanos, com preço justo para o produtor e para o consumidor.

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“Vimos que para dar um passo adiante tínhamos de nos livrar do atravessador”, disse Delwek Matheus, assentado na região de Itapeva (SP) que integra a coordenação nacional do movimento. “O Armazém do Campo é resultado de um avanço do MST nacional em organização, beneficiamento dos produtos, seu registro nos termos da lei e logística para comercialização, cumprindo a função social da reforma agrária, que é levar comida saudável à mesa da população brasileira.”

A ideia de abrir a loja em São Paulo – a segunda no país, já que há 16 anos existe um entreposto no Mercado Municipal de Porto Alegre – surgiu depois da experiência super bem sucedida da 1aFeira Nacional da Reforma Agrária, realizada também em São Paulo, em outubro do ano passado. Durante quatro dias, cerca de 100 mil pessoas foram ao Parque da Água Branca para comprar, a preços populares, mais de 200 toneladas de alimentos, com cerca de 800 variedades de produtos das áreas de assentamentos da Reforma Agrária e a presença de 800 agricultores de 23 estados e Distrito Federal. Paralelamente, uma programação com shows, intervenções culturais, seminários e uma área de Culinária da Terra numa praça de alimentação com comidas típicas de cada região.

Alimento como política e cultura. “Na verdade temos demanda para abrir três armazéns, em São Paulo, Belo Horizonte e num município do Rio de Janeiro. Nossa intenção é ter um em cada estado brasileiro, com base no conceito de soberania alimentar, que busca respeitar os produtos e modos de produção regionais”, disse Débora Nunes, assentada em Alagoas que também integra a coordenação nacional do MST. “O armazém cumpre ainda o papel fundamental de abrir diálogo com a população urbana e partilhar com ela nossas dificuldades. Por exemplo, a burocracia existente para registrar os produtos. As exigências colocadas para grandes empresas – altamente subsidiadas pelo Estado, diga-se – são as mesmas impostas aos assentados, e isso não pode impedir o acesso da população aos alimentos. Lutar por outras políticas é tarefa não só dos camponeses, mas de toda a sociedade brasileira, daí a importância desse diálogo.”

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O armazém tem produtos da reforma agrária e de agricultores familiares de todos os cantos deste país – das cinco regiões, todos os estados, milhares de municípios. Rodrigo Teles, coordenador da loja – crescido em família assentada no Paraná – lembra que ela é fruto da organização para banir o atravessador, de modo que o agricultor seja bem remunerado e o consumidor não seja explorado.

“É um novo conceito de loja”, diz ele. “Abastecemos o Café Colombiano, que oferece uma ampla variedade de quitutes elaborados com nossos produtos para que o consumidor possa provar o sabor dos alimentos. Temos a venda direta ao consumidor, a venda por atacado com desconto para revendedores, a composição de cestas de alimentos para entrega em domicílio e ainda a doação para associações que trabalham com populações excluídas. Será um espaço de discussão política”, diz.

A logística para fazer chegar a São Paulo produção tão diversificada está sendo bancada pelo MST, mas deveria ser oferecida pelo Estado, dizem os coordenadores. “É um custo grande, que ainda não conseguimos calcular, até porque contamos com a ajuda de muitos produtores, mas que pode encarecer os produtos. Deveriam ser oferecidos num mercado público, cumprindo assim sua função social”, sustenta Delwek. A margem de lucro aplicada aos produtos é de 30 a 40%, dependendo dos impostos, que variam entre os estados.

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“A ideia é também desconstruir alguns mitos ligados à produção orgânica no país. O primeiro é que custa mais caro produzir agroecologicamente do que com agrotóxicos. Outro é que, por ser um produto de qualidade, é menos acessível. Há muita exploração em torno dos produtos orgânicos, já que grande parte da população está preocupada em consumir alimentos sem agrotóxicos”, diz Débora. Mesmo na crise, a venda de orgânicos continua crescendo cerca de 25 a 30% ao ano no país.

Vivemos um cenário de crise alimentar em que é cada vez maior a importância de organizar um modelo alternativo. Os alimentos estão cada vez mais caros nos supermercados, e apesar da produção atual de comida ser suficiente para alimentar toda a humanidade, uma em cada sete pessoas no mundo passa fome, conforme o Relatório anual da Agência da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Soma-se a isso o fato de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, uma média de 5,2kg de veneno ingerido por habitante.

FAO: pastoreio causou 80% do desflorestamento no Brasil entre 1990-2005

Criação de gado na região Norte. Foto: EBC

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Mais de 80% do desflorestamento ocorrido no Brasil no período de 1990 a 2005 foi associado à conversão de terras em terrenos de pastoreio, mostrou relatório divulgado nesta segunda-feira (18) pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), denominado “O estado das florestas no mundo”.

A participação do pastoreio no desflorestamento é maior no Brasil do que em outros seis países da região analisados no mesmo período: Argentina, Bolívia, Paraguai, Venezuela, Colômbia e Peru, de acordo com a FAO.

Segundo a agência da ONU, além do pastoreio, o cultivo comercial foi responsável por cerca de 10% do desflorestamento no Brasil no período analisado, enquanto outras formas de exploração da terra, cultivo em pequena escala, agricultura mista, infraestrutura responderam juntos pelos demais 10%.

Na análise dos sete países consolidados, o estudo apontou que 71% do desflorestamento ocorreu devido ao aumento da demanda de pastos; 14% devido aos cultivos comerciais e menos de 2% devido à infraestrutura e à expansão urbana.

A expansão dos pastos causou a perda de ao menos um terço das florestas em seis dos países analisados. A exceção foi o Peru, onde o aumento das terras cultiváveis em pequena escala foi o fator dominante para 41% do desflorestamento.

Na Argentina, a expansão dos pastos foi responsável por 45% do desflorestamento, enquanto a expansão de terras cultiváveis comerciais respondeu por mais de 43%.

Agricultura comercial

O estudo concluiu que a agricultura comercial é a principal causadora do desflorestamento na América Latina.

Particularmente na Amazônia, a produção do agronegócio para os mercados internacionais foi o principal fator de desflorestamento, fruto de práticas como o pastoreio extensivo, o cultivo de soja e as plantações de coqueiro-de-dendê.

“A agricultura comercial não pode continuar crescendo à custa das florestas e dos recursos naturais da região”, disse Jorge Mexa, oficial florestal da FAO.

Meza destacou que políticas como a vinculação de incentivos agrícolas a critérios ambientais, a adoção de práticas silvipastoris — combinação intencional de árvores, pastagem e gado numa mesma área e manejados de forma integrada —, o pagamento por serviços ambientais e a recuperação dos pastos degradados podem evitar a ampliação da fronteira agrícola em detrimento das florestas.

Apesar de o desflorestamento continuar em alta na região, em 2015 sua taxa se reduziu em quase 50% quando comparada a 1990. Esta redução também foi significativa na Amazônia, fruto de políticas de desenvolvimento sustentável impulsionadas pelos países que dividem a bacia amazônica.

Segundo o documento da FAO, desde 1990 mais de 20 países melhoraram sua segurança alimentar e mantiveram ou aumentaram sua cobertura florestal, demonstrando que não é necessário cortar árvores para produzir mais alimentos.

Vincular os subsídios agrícolas às normas ambientais

Em vários países, as subvenções agrícolas em grande escala fomentaram o desflorestamento, já que aumentam a rentabilidade da produção agropecuária e geram pressão para ampliar a fronteira agrícola. Exemplos disso na região são o pastoreio extensivo e a produção de soja em escala industrial.

Uma opção de política para evitar esses danos, segundo a FAO, é vincular os incentivos e mecanismos de fomento público recebidos pela agricultura comercial ao cumprimento de normas ambientais.

O relatório destacou que uma reforma desse tipo ocorreu no Brasil, que passou a vincular os subsídios ao crédito rural com critérios ambientais, evitando a perda de 270 mil hectares de florestas que haviam sido destruídas para aumentar a produção de carne bovina.

A iniciativa brasileira “Bolsa Verde” foi outro exemplo citado pela FAO: um programa de transferência condicionada que entrega recursos a milhares de famílias pobres em troca de manter a cobertura vegetal e gerir seus recursos naturais de forma sustentável.

Cisterna vertical ocupa menos espaço e filtra a água da chuva para reúso

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Cisterna vertical ocupa menos espaço e filtra a água da chuva para reúso

Poder armazenar a água da chuva é uma estratégia importante para reduzir o desperdício de água e ainda economizar na hora de pagar a conta. O jeito mais simples de reaproveitar este recurso hídrico é utilizando uma cisterna, que capta e guarda a água para o uso posterior.

A cisterna vertical criada pela Tecnotri é um jeito ainda mais prático de aproveitar água de forma simples e fácil. Seu principal diferencial está no formato. Enquanto uma bombona comum é capaz de armazenar, em média, 220 litros de água, uma cisterna vertical modular consegue guardar até mil litros de água ocupando um espaço muito menor.

De acordo com a empresa, um módulo de mil litros pesa 48 kg, e tem apenas 1,5 metros de altura por 64 centímetros de largura. O tamanho compacto permite que o sistema seja instalado mesmo em locais com pouco espaço, como corredores, garagens e, até mesmo, sacadas, e se necessário, pode-se conectar vários módulos em um mesmo circuito, aumentando ainda mais a sua capacidade.

A cisterna modular foi desenvolvida para facilitar o reaproveitamento da água da chuva para os mais diversos fins. Por isso, ela possui saídas para conexão em registro, mangueiras e equipamentos de lavagem a jato.

Funcionamento

As cisternas são facilmente instaladas em uma residência ou espaço comercial. O único pré-requisito é que ela possa ser conectada à calha do telhado, para conseguir captar a maior quantidade possível de água.

Neste conector, as cisternas são equipadas com um filtro, que retira as folhas e outros sólidos que porventura sejam carregados. Elas também possuem um reservatório para separar o primeiro fluxo de água que normalmente está carregada de resíduos sólidos, resultante da sujeira acumulada nos telhados e uma cápsula com clorador, que ajuda a purificar a água da chuva e evita a contaminação do mosquito Aedes aegypti.

Quando se trata de armazenar água, os mosquitos não são os únicos problemas que merecem atenção. A proliferação de fungos e bactérias também pode contaminar o recurso e causar doenças aos seres humanos. Portanto, para evitar a proliferação destes organismos, a cisterna vertical modular é feita com plástico polietileno que contém ativo antimicrobiano.

Entre os kits de reúso de água desenvolvidos pela empresa está um modelo de cisterna de menor capacidade, ideal para ser conectado à máquina de lavar roupa, para reaproveitar o recurso descartado durante os ciclos de lavagem.

A instalação do sistema é muito simples e não necessita de grandes alterações estruturais ou obras civis. Basta os reservatórios serem colocados no espaço disponível e conectados à calhas coletoras de água da chuva ou nas saídas da água no descarte de máquina de lavar roupa. Feito isso, é só começar a armazenar.

O que fazer com esta água?

A água da chuva pode ser usada para os mais diversos fins. Em alguns locais do mundo ela pode ser usada até mesmo para o consumo humano. Este não é o caso no Brasil. Mas, mesmo assim, ainda existem diversos usos possíveis e indicados para ela como alternativa para reduzir os gastos de água potável. Limpeza, rega de plantas, descarga e lavagem de carro e roupas são apenas algumas das sugestões.

Além da praticidade deste sistema, ele também é totalmente seguro para impedir a proliferação de larvas de mosquitos transmissores de doenças. Além de ser totalmente fechada, o filtro com cloração não permite que os insetos se reproduzam na água armazenada.

Onde encontrar?

Os kits de reúso de água podem ser encomendados direto no site da Tecnotri. Os valores variam de R$ 658 a R$ 2.858, dependendo do modelo, da capacidade do sistema e do local de entrega ao consumidor final. A empresa envia o produto para quase todo o país.